A recente entrevista de Manuel Luís Goucha a Tiago Grila desencadeou uma forte onda de críticas, revelando uma profunda divisão sobre os limites da televisão enquanto espaço de exposição pública. A presença do influencer, que confessou ter inventado um crime para atrair notoriedade, foi vista por muitos como um ponto baixo na programação da TVI.
Vicente Alves do Ó, reconhecido realizador e figura de destaque no panorama cultural português, foi uma das vozes mais críticas. Para ele, esta decisão de Goucha e da produção do programa ultrapassou a linha do aceitável. O seu apelo direto para que o apresentador “se reforme disto tudo” reflete não só frustração com esta entrevista específica, mas também uma insatisfação mais ampla com uma tendência que, segundo ele, já vem de trás.
A referência à anterior entrevista a Mário Machado, figura associada ao extremismo, mostra que o desconforto não é pontual. Trata-se de uma preocupação crescente com o tipo de protagonismo que certos programas estão a conceder a pessoas envolvidas em comportamentos altamente questionáveis — tudo em nome das audiências.
A entrevista, exibida a 27 de maio, contou com a confissão de Tiago Grila de que forjou uma história sobre um atropelamento para gerar impacto num podcast. A reação foi imediata: telespectadores revoltaram-se, figuras públicas pronunciaram-se e as redes sociais encheram-se de comentários sobre a ética da televisão portuguesa.
Para muitos, o problema não foi apenas dar palco ao influencer, mas o tom da entrevista — que, na opinião de críticos como Vicente Alves do Ó, banalizou uma atitude grave: mentir sobre um crime. Dar visibilidade a esse comportamento pode, segundo esses críticos, normalizá-lo ou até encorajá-lo em quem vê a notoriedade como um fim que justifica quaisquer meios.
Do outro lado, existem argumentos em defesa da entrevista. Alguns defendem que expor publicamente alguém que admite uma fraude dessa natureza pode servir como alerta social. Mostrar o ridículo ou a gravidade das consequências pode, em teoria, desincentivar comportamentos semelhantes.
No entanto, o problema reside no equilíbrio. Para muitos, o programa não conseguiu estabelecer uma linha clara entre expor e explorar. A entrevista acabou por parecer, aos olhos de muitos, uma vitrine de autopromoção para alguém que claramente procurava exatamente isso: visibilidade.
A posição de Vicente Alves do Ó não é isolada. Outros profissionais da cultura e da comunicação começaram a manifestar desagrado com a linha editorial seguida por alguns programas de daytime, que têm vindo a trocar profundidade e responsabilidade por sensacionalismo.
Este episódio reacende o debate sobre o papel da televisão enquanto formadora de opinião pública. Quando um canal de grande audiência oferece espaço a quem conscientemente manipula a verdade, está a correr o risco de legitimar práticas que minam a confiança pública.
A ética jornalística e televisiva, embora muitas vezes invisível para o público geral, é o que sustenta a credibilidade dos meios de comunicação. Se ela é sistematicamente desrespeitada em nome da audiência, toda a estrutura da comunicação entra em colapso.
Manuel Luís Goucha, figura respeitada por décadas, vê-se agora no centro de uma controvérsia que põe em causa a sua escolha editorial e, para alguns, o próprio legado. A questão que muitos colocam é: até onde vai o papel do entrevistador — e quando deve dizer “não”?
A televisão tem o poder de moldar o discurso social. Entrevistar alguém que mente publicamente para se promover pode ser compreensível se o foco for a crítica e o repúdio. Mas se o tom for de condescendência, a mensagem passada pode ser profundamente nociva.
Este episódio também levanta outra questão: quem deve ser convidado para um programa com o alcance do de Goucha? A notoriedade instantânea deve ser premiada com tempo de antena? Ou os critérios editoriais devem ser mais exigentes?
A opinião pública portuguesa parece estar dividida. Alguns veem nesta entrevista apenas mais um exemplo do estado atual dos media, enquanto outros a interpretam como um sinal de alerta para travar a banalização da mentira e da manipulação nas plataformas públicas.
Independentemente da perspetiva, é evidente que o caso não passará despercebido. O debate sobre a responsabilidade dos apresentadores, produtores e canais televisivos está mais vivo do que nunca — e provavelmente influenciará decisões futuras.
O nome de Manuel Luís Goucha está, mais uma vez, ligado a uma entrevista polémica. E, mais do que o conteúdo em si, o que está agora em causa é o papel que ele e a TVI querem continuar a desempenhar na esfera pública.
Resta saber se haverá um posicionamento mais claro do apresentador, da estação ou mesmo uma mudança nas estratégias editoriais. Por enquanto, o caso de Tiago Grila deixa uma marca — e várias perguntas — sobre o futuro da televisão generalista em Portugal.
Até ao momento, nem a TVI nem Manuel Luís Goucha emitiram qualquer comentário oficial em resposta às críticas. O caso promete continuar a dar que falar, numa altura em que a relação entre ética, audiência e responsabilidade nos media está cada vez mais em escrutínio.
