Não merece perdão!

 

O último episódio do programa “Isto é Gozar com Quem Trabalha” tornou-se rapidamente viral. No centro da atenção esteve Ricardo Araújo Pereira, que, com o seu estilo característico, desmontou publicamente várias declarações e propostas de André Ventura, líder do Chega.

O momento foi marcado por sarcasmo certeiro e uma crítica mordaz às contradições no discurso político do Chega. A reação nas redes sociais não se fez esperar: muitos internautas celebraram o episódio como uma “humilhação” ao político da direita populista.

No entanto, reduzir o episódio apenas ao riso ou ao embaraço de Ventura é perder de vista o verdadeiro impacto da intervenção de Araújo Pereira. O humorista, sem ocupar qualquer cargo político, tornou-se uma referência no escrutínio informal do poder.

Com inteligência e informação, conseguiu expor a fragilidade de propostas políticas que, embora populares em certos círculos, carecem de viabilidade técnica. A promessa de reduzir impostos e, ao mesmo tempo, aumentar apoios sociais e salários públicos é um exemplo disso.

Esse tipo de discurso, comum em tempos eleitorais, tende a escapar à crítica técnica quando veiculado apenas por políticos. No entanto, quando passado pelo filtro do humor crítico, torna-se mais visível — e menos tolerável — para o público.

Ricardo Araújo Pereira usou o riso para destacar o que muitos economistas apontam com preocupação: a ilusão de que se pode gastar mais e arrecadar menos sem comprometer o equilíbrio das contas públicas.

É precisamente esse equilíbrio que está em causa quando se discutem políticas fiscais sem base em projeções reais ou sem explicações claras sobre compensações orçamentais. O humor, neste caso, não distorce a realidade — antes a evidencia.

Num contexto de crescente desinformação, onde o debate político muitas vezes se reduz a slogans fáceis e antagonismos primários, intervenções como esta ajudam a elevar o nível da discussão pública.

O papel de figuras como Ricardo não é o de substituir os analistas ou os políticos, mas sim o de funcionar como catalisadores de atenção e consciência crítica. O humor, quando bem direcionado, pode ser uma poderosa ferramenta pedagógica.

Por outro lado, André Ventura mantém a sua postura combativa. Para ele, qualquer crítica é vista como um ataque do “sistema”. Essa estratégia tem funcionado entre os eleitores mais fiéis ao partido.

No entanto, a repetição de análises críticas bem fundamentadas — como as de Ricardo — começa a deixar marcas. Especialmente entre os eleitores que, embora insatisfeitos com os partidos tradicionais, procuram alternativas realistas e sustentáveis.

A economia é, talvez, o campo onde prometer mais e fazer menos tem custos mais visíveis. Quando um humorista consegue explicar, com graça, por que razão certas promessas são inconsistentes, o impacto é potencialmente mais duradouro do que qualquer debate parlamentar.

Esse fenómeno não é exclusivo de Portugal. O humor político tem um longo histórico de interferência positiva no debate democrático. Mas em Portugal, ganha contornos particulares devido à centralidade da televisão e ao impacto do humor na cultura popular.

Ricardo Araújo Pereira tem demonstrado, ao longo dos anos, que é possível fazer humor com rigor. A sua preparação para cada episódio vai além do entretenimento: envolve análise, fact-checking e uma leitura atenta do contexto político e económico.

Essa combinação de humor e conhecimento transforma-o num agente de literacia política. Ajuda o público a interpretar discursos, questionar intenções e, acima de tudo, a não aceitar de forma acrítica o que lhes é apresentado.

Num momento de polarização, onde a confiança nas instituições é frágil e o espaço para o diálogo parece cada vez menor, o humor pode funcionar como uma ponte. Permite que se fale de temas sérios com leveza — sem perder profundidade.

Claro que nem todos aceitam bem esse tipo de crítica. Para Ventura, cada sátira é uma oportunidade para reforçar a sua posição de “vítima do sistema”. Mas isso não impede que os argumentos sejam ouvidos — e, muitas vezes, compreendidos.

A força do humor político está em dizer aquilo que muitos pensam, mas poucos conseguem articular com clareza. E quando isso é feito com inteligência, empatia e informação, o resultado não é apenas risada. É reflexão.

Em tempos de promessas fáceis e soluções milagrosas, a sátira bem feita pode ser um antídoto contra o populismo. Porque, às vezes, a verdade mais difícil de ouvir é aquela que nos faz rir antes de nos fazer pensar.