Esse episódio envolvendo o cantor Nininho Vaz Maia expõe um debate delicado que envolve justiça, presunção de inocência, preconceito e a instrumentalização política da cultura.
O cantor foi constituído arguido, o que significa que está a ser investigado, mas ainda não foi condenado por nenhum crime relacionado ao atual processo. Ele afirmou estar a colaborar com as autoridades e mantém a sua inocência. Em termos legais e éticos, até prova em contrário, qualquer cidadão é inocente — este é um princípio fundamental do Estado de Direito.
No entanto, o partido Chega, que tem um histórico conhecido de hostilidade à etnia cigana, associa diretamente essa investigação criminal à exclusão do artista da Feira de Maio da Azambuja. Embora o comunicado tente apresentar razões culturais e identitárias ligadas ao “Mundo Rural” e à “Festa Brava”, o ataque à presença do cantor parece ir além de simples discordância artística: evidencia-se um juízo moral e possivelmente discriminatório.
Além disso, o Chega menciona um “passado criminal” com “condenação com trânsito em julgado”, mas sem apresentar detalhes. Mesmo que existam antecedentes, isso não anula o direito do artista de trabalhar, nem justifica a sua exclusão de espaços públicos, sobretudo quando não há nova condenação ou impedimento legal para atuar.
Este tipo de posicionamento gera um perigoso precedente: a condenação pública baseada em suspeitas e preconceitos, sem o devido processo. É legítimo que partidos ou cidadãos se manifestem sobre eventos culturais, mas é essencial que essas posições respeitem os princípios democráticos, evitem generalizações discriminatórias e não se substituam ao papel da justiça.
O caso, portanto, não é apenas sobre a presença de um cantor num evento local. É também um reflexo de tensões sociais mais profundas sobre inclusão, justiça, e o papel da cultura num país plural.