Nas eleições legislativas de 2024, os votos dos portugueses residentes no estrangeiro ganharam destaque como nunca antes. Pela primeira vez, a participação foi significativamente superior à de eleições anteriores, demonstrando um envolvimento crescente da diáspora portuguesa no processo político nacional.
O Chega foi o partido que mais se destacou nos círculos da emigração, tanto na Europa quanto fora dela. A votação obtida foi suficiente para eleger dois deputados, um por cada círculo eleitoral destinado aos emigrantes. Esse resultado representou uma mudança relevante na tendência habitual, onde partidos tradicionais como PS e PSD dominavam.
No círculo da Europa, o Chega ultrapassou os partidos tradicionais, beneficiando-se de uma campanha agressiva, forte presença nas redes sociais e mensagens direcionadas a um eleitorado descontente com o sistema político português. A presença do partido em países como Suíça, França e Luxemburgo foi decisiva.
O PS, que historicamente mantinha boa performance entre os emigrantes, viu-se ultrapassado em alguns países onde antes liderava. Ainda conseguiu eleger um deputado, mas perdeu terreno para um discurso mais crítico ao sistema, adotado por partidos como o Chega.
Já a Aliança Democrática, coligação liderada pelo PSD, também teve uma votação expressiva, especialmente fora da Europa. No entanto, não conseguiu repetir o desempenho do Chega, que acabou por conquistar mais representação direta nesse eleitorado.
No círculo Fora da Europa, o Chega voltou a surpreender. A conquista de um deputado neste círculo foi considerada uma vitória simbólica, já que se trata de uma região onde a comunicação direta com os eleitores é mais difícil e o número de votos nulos costuma ser elevado.
A campanha entre os emigrantes foi marcada por temas como o acesso à saúde em Portugal, impostos, burocracia no recenseamento e sentimento de abandono por parte do Estado português. O Chega capitalizou esse descontentamento, apresentando soluções simples e promessas de maior apoio à diáspora.
Apesar do crescimento do Chega, o número de votos nulos e brancos também foi elevado. Muitos eleitores relataram dificuldades em entender ou preencher corretamente os boletins de voto enviados por correio, o que resultou em milhares de votos anulados.
Esses votos nulos, em volume, superaram até a votação obtida por qualquer partido individualmente, algo que levantou preocupações sobre o processo eleitoral entre emigrantes e exigiu uma discussão mais profunda sobre eventuais reformas no sistema.
A vitória do Chega entre os emigrantes representou não apenas um avanço numérico, mas também simbólico. O partido, que vinha sendo considerado um fenómeno urbano e de protesto, demonstrou capacidade de mobilização além-fronteiras.
Essa mobilização foi alimentada por redes sociais, grupos de emigrantes e associações que disseminaram mensagens alinhadas com os valores e propostas do partido. O discurso de combate à corrupção, crítica à classe política e promessa de maior envolvimento da emigração nas decisões do país encontrou eco.
Os círculos da emigração são tradicionalmente menos disputados do que os nacionais, mas em 2024 tornaram-se palco de uma verdadeira batalha política. A elevada abstenção histórica nesses círculos começou a diminuir, indicando um interesse renovado da diáspora na política portuguesa.
A mudança no perfil do eleitor emigrante também pode explicar os resultados. Muitos dos votantes atuais são trabalhadores jovens ou de meia-idade, com uma visão crítica do país e da governação. Essa geração mostrou-se mais receptiva a discursos alternativos.
A vitória do Chega trouxe implicações imediatas no Parlamento. Com mais dois deputados, o partido aumentou o seu poder de influência nas votações e reforçou a sua imagem de força em crescimento, tanto dentro como fora de Portugal.
A nível interno, a liderança do partido aproveitou a vitória para reforçar a sua narrativa de que representa os portugueses esquecidos, incluindo os que vivem fora do país. A eleição de representantes diretamente da diáspora foi usada como prova dessa ligação.
Para os outros partidos, o resultado serviu de alerta. A diáspora já não é um reduto garantido. Agora, precisa ser escutada, compreendida e integrada com mais eficácia nas estratégias políticas nacionais.
Alguns analistas viram neste resultado uma extensão do voto de protesto que tem crescido em vários países europeus. A insatisfação com políticas públicas, serviços consulares e o tratamento dos emigrantes foi canalizada para uma escolha mais radical.
Outros observadores apontaram que este crescimento poderá ser temporário, fruto de conjunturas específicas. No entanto, mesmo que transitório, representa uma mudança clara na forma como a emigração portuguesa se posiciona eleitoralmente.
Independentemente das interpretações, o certo é que os votos dos emigrantes, frequentemente ignorados ou subestimados, desempenharam um papel decisivo nas eleições de 2024. Foram determinantes para a composição final da Assembleia da República.
Por fim, esse novo protagonismo dos emigrantes poderá levar a uma revisão das políticas públicas voltadas para a diáspora e a uma maior atenção das lideranças políticas às suas reivindicações. Afinal, já ficou claro que os emigrantes não votam apenas: eles também decidem.